quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Mudanças no corpo são um desafio no tratamento dos pacientes com HIV



No Brasil, um terço dos soropositivos abandonam a medicação. O impacto dos antirretrovirais na aparência - com a alteração na distribuição da gordura corporal, síndrome conhecida como lipodistrofia - é um dos motivos. SUS oferece cirurgia plásticas, mas em Minas pacientes ainda não podem se beneficiar


Neste mês o Brasil recebeu a notícia de que um terço dos brasileiros com HIV rejeita o tratamento: 190 mil pessoas não lutam contra a enfermidade no país. Entre os motivos, um que se destaca são os efeitos colaterais dos antirretrovirais. Apesar de as drogas serem cada vez menos tóxicas, ainda não existe, por exemplo, um medicamento que seja absolutamente livre de provocar um dos efeitos mais temidos pelos pacientes com HIV: a alteração da distribuição da gordura corporal também chamada de lipodistrofia. Como impacta a autoestima, muita gente se sente impelido a abandonar o tratamento, o que dificulta interromper a cadeia de transmissão no país.

Braços, pernas, bumbum e rosto perdem gordura a ponto de, no caso das nádegas, o paciente sentir dor para se sentar. As veias ficam aparentes e o abdômen passa a acumular gordura. Homens e mulheres ganham grandes papadas e, em palavras simples, uma corcunda logo abaixo do pescoço denominada gibosidade dorsal. No caso deles, outra mudança corporal é a ginecomastia ou crescimento das mamas. Veja:

 (Arte Soraia Piva / Imagens: Ministério da Saúde)


O incômodo com a mudança na aparência é tão grande que desde 2004 o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece a cirurgia plástica reparadora para os pacientes com HIV que sofrem com a lipodistrofia. O problema tem influência direta na qualidade de vida com consequências físicas, psicológicas e sociais. Por isso, a adesão ao tratamento tende a diminuir e o resultado é o pior possível: o desenvolvimento de resistência aos antirretrovirais e o aumento da morbimortalidade, ou seja, incidência da doença e taxa de mortalidade na população.

Infelizmente, em Minas Gerais o procedimento ainda não é uma realidade na rede pública. Segundo a secretaria municipal de saúde, a Rede SUS-BH ainda não realiza a cirurgia para corrigir a lipodistrofia, mas segundo o órgão, o Hospital Eduardo de Menezes, da rede FHEMIG, encontra-se em processo de credenciamento junto ao Ministério da Saúde. A secretaria estadual confirma o credenciamento da instituição citada e afirma que o Hospital das Clínicas da UFMG e o Hospital Universitário de Juiz de Fora também aguardam essa aprovação.

'Você vai sentir tudo isso e muito mais'
Em 1995, Silvana* foi surpreendida pela infecção por HIV. “Meu marido sabia que tinha o vírus, mas não me contou. Quando foi internado já com a doença, o médico me informou do diagnóstico e pediu para que eu fizesse o exame. Ele já estava em estado terminal”, recorda-se. Na época, ela era mãe de um menino de 6 anos e, mais do que receber uma sentença de morte, viu a vida do pai de seu filho ser interrompida. A mulher de 42 anos relata que o companheiro era usuário de drogas e acredita que possa ter compartilhado alguma seringa com alguém contaminado. “Quando descobri não existia sequer medicamento. Não tinha contagem de carga viral, a gente fazia exame de sangue de tempos em tempos, os médicos mandavam os pacientes para casa e ficávamos esperando a morte chegar. O AZT (um dos primeiros medicamentos contra o HIV) só surgiu em 96”, diz. Desde então Silvana está medicada.

Entre 2009 e 2010 começou a sentir a diferença na distribuição da gordura corporal. “Eu sempre fiz academia, gosto de correr, mas comecei a apresentar perda muscular nas pernas, quadril e braços. O médico que me acompanha pediu exames de carga viral para saber se tinha alguma alteração, mas estava zerada”, conta. Um ano depois de constatada a lipodistrofia Silvana conseguiu a cirurgia pelo SUS, no Hospital Heliópolis, em São Paulo, e colocou implante de silicone nos glúteos, fez redução de mamas e preenchimento no rosto. “Atualmente, corro atrás da minha forma física, faço musculação todos os dias e acompanhamento com nutricionista e endocrinologista. Tem que ter força de vontade”, acredita.

Ano passado, mais de 39 mil casos foram diagnosticados no Brasil  (Karlos Geromy/OIMP/D.A Press)
Ano passado, mais de 39 mil casos foram diagnosticados no Brasil
Ela conta que a mudança da aparência é um grande revés no tratamento.. “No começo foi difícil, levantar e me olhar no espelho, ver meu rosto se modificar e ter que assim mesmo encarar, lutar e trabalhar. É uma barra olhar a própria imagem e não se reconhecer. Foi complicado, ainda estou na fase de adaptação, mas devagar a autoestima melhora”, espera.

Silvana admite que o tratamento tem, sim, a parte ruim, “principalmente da estética”. Mesmo assim, segundo ela, “a qualidade de vida é mil vezes melhor”. “O que as pessoas precisam pensar é que é possível trocar o medicamento quando o paciente não se adapta. Hoje em dia as coisas estão muito melhores para quem têm HIV, só não conseguimos ainda superar o preconceito, principalmente no mercado de trabalho”, pondera. Atualmente, Silvana trabalha com a irmã que é dona de um bufê de festas.

“Tenho um amigo que abandonou o tratamento neste ano por causa da lipodistrofia, adoeceu e faleceu”, narra. Por essa razão, o recado de Silvana é simples: “Por mais difícil que seja, por mais que seja complicado levantar de manhã, o tratamento vai fazer bem. No começo, principalmente, não é fácil, é muito efeito colateral. A gente precisa trabalhar com diarreia, vômito e dor abdominal, mas depois que acerta o antirretroviral fica mais fácil. O pensamento ‘já que vou morrer, pelo menos não quero sentir nada’ é errado. Na verdade, você vai sentir tudo isso e muito mais. É um engano”, reforça.


Entenda a lipodistrofia
Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Daniela Pinho é especialista em cirurgia plástica reparadora para pacientes com lipodistrofia. Segundo ela, a alteração na distribuição da gordura corporal atinge 42% dos pacientes com HIV e está muito associada aos antirretrovirais. No entanto, apesar de não existirem estudos que comprovem, o componente genético pode favorecer a manifestação dessa síndrome.

Em razão dessa forte associação, o primeiro passo para tentar barrar a lipodistrofia é trocar a medicação. Presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano lembra que a mudança só é inviável em casos de pacientes que têm vírus muito resistentes, porque sobrariam poucas opções.

Se depois de realizada a troca, a estratégia não for bem-sucedida, o paciente pode se candidatar à cirurgia reparadora. No entanto, é imprescindível que a pessoa esteja fazendo uso da medicação, seja acompanhada por um infectologista e esteja com a doença controlada. Ou seja, aqueles que estão com Aids (a manifestação aguda dos sintomas do HIV), estão excluídos em função do risco cirúrgico. Lembrando que ser HIV positivo é diferente de ter a doença. Outras restrições à cirurgia reparadora são o uso de anticoagulantes, gravidez e infecção por hepatite C.

As drogas contra o HIV estão cada vez menos tóxicas e dão qualidade de vida aos paciente. O jogador de basquete Magic Johnson anunciou que era soropositivo em 1991 (PHIL KLEIN )
As drogas contra o HIV estão cada vez menos tóxicas e dão qualidade de vida aos paciente. O jogador de basquete Magic Johnson anunciou que era soropositivo em 1991
Daniela Pinho afirma que muitos pacientes deixam de usar a medicação em função das mudanças no corpo. “São alterações na aparência que estigmatizam os pacientes com HIV, muitos ficam revoltados e preferem a doença, o que aumenta a resistência do vírus, a proliferação e o risco de contaminação”, diz.

Além da questão da autoestima, a especialista lembra que a cirurgia reparadora é um procedimento importante porque aumenta a adesão dos pacientes ao tratamento. Segundo ela, a reconstrução do glúteo com a colocação de próteses de silicone é a cirurgia plástica reparadora mais procurada pelos pacientes soropositivos.

Outros procedimentos realizados com o objetivo de minimizar os efeitos da lipodistrofia são: lipoaspiração, correção de ginecomastia, mamoplastia redutora feminina por lipodistrofia e o preenchimento cutâneo da face com polimetilmetacrilato (PMMA).

Daniela Pinho, que trabalhou muitos anos no Hospital Heliópolis, em São Paulo, instituição que é referência em cirurgia plástica para lipodistrofia, diz que a espera pode ser longa e um mesmo paciente pode precisar de mais de um tipo de cirurgia.

É importante saber também que, mesmo após os procedimentos cirúrgicos, o paciente vai continuar sofrendo a influência da medicação no corpo. Por isso, além da cirurgia, o tratamento da lipodistrofia associada ao HIV envolve mudanças no estilo de vida, com exercício físico e orientação nutricional, redução na exposição às drogas com modificação da terapia antirretroviral e tratamento farmacológico das alterações metabólicas associadas.

 (Soraia Piva/EM/D.A Press)



O tratamento cirúrgico das alterações corporais da lipodistrofia para pacientes com HIV foi incluído no SUS em 2004, pela Portaria Ministerial nº 2.582. Atualmente, está em vigor a Portaria Conjunta SAS/SVS nº 01, de 20 de janeiro de 2009, que trata das indicações cirúrgicas, normas para o credenciamento dos hospitais e ambulatórios, estrutura física e recursos humanos para o tratamento reparador das alterações corporais relacionadas à lipodistrofia.

A portaria vigente contempla os seguintes procedimentos reparadores:

  • Preenchimento facial com polimetilmetacrilato (PMMA);
  • Lipoaspiração de gibosidade cervical, submandibular, abdominal ou dorsal;
  • Redução de mamas ou ginecomastia;
  • Implante de prótese glútea com lipoenxertia e/ou polimetilmetacrilato.
http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2014/12/11/noticia_saudeplena,151619/mudancas-no-corpo-sao-um-desafio-no-tratamento-dos-pacientes-com-hiv.shtml

Dois pacientes portadores do vírus HIV estão curados graças a nova técnica


O vírus torna-se incapaz de se multiplicar, mas permanece presente no DNA dos pacientes


A aparente cura de dois homens portadores de HIV graças a um fenômeno natural abre perspectivas interessantes nas buscas pela cura da Aids, revelou nesta terça-feira (4/11) um estudo científico. Este fenômeno natural permite ao organismo infectado integrar o vírus no DNA, neutralizando-o.

Os dois pacientes em questão estavam infectados com o HIV sem nunca terem estado doentes, nem terem uma quantidade detectável de vírus no sangue, segundo os autores do estudo, cujos resultados estão detalhados na revista especializada Clinical Microbiology and Infection. Nenhum deles foi submetido a tratamentos.

"Esta observação é muito interessante e pode representar um caminho para a cura" da Aids, explicou Didier Raoult, professor da Faculdade de Medicina de Marselha (França), co-autor do estudo com outra equipe francesa liderada pelo professor Yves Levy.

A análise realizada graças a tecnologias modernas permitiu reconstituir o vírus encontrado no genoma dos pacientes. Os pesquisadores conseguiram provar que o vírus foi inativado por um sistema de interrupção da informação fornecida pelos genes do vírus. O sistema, denominado "codon-stop" marca o fim da tradução de um gene em proteína. O vírus torna-se incapaz de se multiplicar, mas permanece presente no DNA dos pacientes.

Estas interrupções se devem a uma enzima conhecida, o Apobec, que faz parte do arsenal disponível nos seres humanos para combater o vírus, mas que normalmente é desativada por uma proteína do vírus.

Rever a definição de cura
O trabalho abre perspectivas de cura através da utilização ou da estimulação desta enzima, e também possibilidades de detecção nos pacientes recém-infectados, que têm uma chance de cura espontânea, segundo os autores do estudo. Para Raoult, isto poderia conduzir a uma revisão da definição de cura, que atualmente se baseia unicamente na ideia de desaparecimento do vírus no organismo.

A infecção pelo HIV de um dos pacientes ocorreu há mais de 30 anos. Aos 57 anos, ele foi diagnosticado com Aids em 1985 e aparentemente é imune ao vírus. A soropositividade do segundo paciente, de um chileno de 23 anos, foi identificada em 2011, mesmo que provavelmente tenha sido infectado três anos antes.

Nenhum deles apresentava outros fatores de resistência ao HIV conhecidos (mutações na proteína CCR5, que permite ao HIV infectar as células). O estudo baseia-se na suposição de que o vírus da Aids - um retrovírus que se integra ao DNA humano - teria o mesmo destino que os centenas de retrovírus já integrados no DNA de mamíferos, incluindo os seres humanos.

A hipótese também vem da observação de coalas, em que um vírus de macaco, causador de câncer e leucemia, já não os faz adoecer após a integração e neutralização do vírus em seu genoma, diz Raoult. "Nos coalas que se tornaram resistentes a este vírus do macaco através do mesmo fenômeno de integração ou de endogenização, a resistência é transmissível aos filhos", ressalta Raoult.

Para os pesquisadores, trata-se de um mecanismo provavelmente comum em epidemias anteriores. Portanto, é lógico pensar que ocorre a um certo número de pessoas infectadas com o vírus da Aids. O estudo, segundo o professor francês Yves Levy, "é uma observação interessante e uma primeira demonstração, com o vírus HIV, de algo que a natureza foi capaz de fazer com outros vírus ao longo da evolução".

HIV está se tornando menos mortal e infeccioso, diz estudo

 Pesquisa coordenada pela Universidade de Oxford demonstra que vírus está perdendo força e tardando mais a causar Aids.

O vírus HIV está se tornando menos mortal e menos infeccioso, de acordo com uma pesquisa coordenada pela Universidade de Oxford.
Os pesquisadores mostraram que o vírus está perdendo força ao se adaptar ao nosso sistema imunológico e demorando mais para causar a Aids (a síndrome da imunodeficiência adquirida, que ocorre à medida que as barreiras imunológicas do corpo começam a ser corroídas).
Alguns virologistas sugerem que a evolução do vírus pode torná-lo, algum dia, "quase inofensivo". Para os pesquisadores de Oxford, as mudanças no vírus podem ajudar nos esforços para conter a pandemia.
 Hoje, o HIV infecta mais de 37 milhões de pessoas no mundo - em seus corpos, ocorre uma batalha entre o sistema imunológico e o vírus. Tal qual um mestre do disfarce, o vírus sabe rapidamente e com pouco esforço passar por mutações para se adaptar ao sistema imunológico.
No entanto, às vezes o HIV infecta uma pessoa com um sistema imunológico particularmente eficaz.
"[Nestes casos] o vírus fica entre a cruz e a espada", explica o professor Philip Goulder, da Universidade de Oxford. "Ele pode perder a eficácia ou se transformar para sobreviver e, se tiver que mudar, isso terá um custo."
O "custo" é uma diminuição na capacidade de se replicar, o que faz com que o vírus se torne menos infeccioso e leve mais tempo para causar Aids.
Lentidão
À medida que este vírus enfraquecido é passado para outras pessoas, tem início um lento ciclo de enfraquecimento.
A equipe mostrou esse processo acontecendo na África, comparando Botswana, onde os problemas com o HIV existem há um longo tempo, e África do Sul, onde o vírus chegou uma década depois.
"É bastante surpreendente. É possível ver que a capacidade de se replicar é 10% menor em Botswana do que na África do Sul e isso é muito emocionante", disse Goulder à BBC.
"Estamos observando a evolução acontecer na nossa frente e é surpreendente a rapidez com que o processo está acontecendo. O vírus está perdendo sua capacidade de causar doença e isso vai contribuir para sua eliminação."
As descobertas foram publicadas na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.
 Estudo mostrou que atual capacidade do vírus de se replicar é menor  (Foto: Thinkstock) Estudo mostrou que atual capacidade do vírus de se replicar é menor (Foto: Thinkstock)
Ataque dos antirretrovirais
O estudo também sugere que as drogas antirretrovirais estão forçando o HIV a evoluir para formas mais leves. Os medicamentos teriam como alvo principalmente as versões mais agressivas do HIV, permitindo a reprodução das formas menos violentas.
"Vinte anos atrás, a Aids se manifestava em dez anos. Mas, nos últimos dez anos, em Botswana, isso pode ter aumentado para 12,5 anos - um aumento pequeno, mas que no contexto geral é uma mudança rápida", disse Goulder.
"É possível imaginar que isso se estenda cada vez mais e que, no futuro, as pessoas possam permanecer assintomáticas durante décadas."
"Se a tendência continuar, em seguida, podemos ver uma mudança de cenário global: uma doença longa sendo menos transmissível", disse à BBC Jonathan Ball, virologista da Universidade de Nottingham.
"Em teoria, se deixássemos o HIV seguir o seu curso, veríamos o surgimento de uma população humana mais resistente ao vírus do que somos hoje coletivamente. A infecção por HIV acabaria se tornando quase inofensiva. Isso provavelmente já aconteceu ao longo da história, mas estamos falando de escalas de tempo muito grandes."
Porém, o grupo alertou que mesmo uma versão enfraquecida do HIV ainda é perigosa e pode causar Aids.
Andrew Freedman, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Cardiff, qualificou o estudo de "intrigante".
"Os pesquisadores foram capazes de demonstrar como o vírus se enfraqueceu ao longo do tempo. O uso generalizado de terapia antirretroviral pode ter um efeito semelhante e, em conjunto, estes efeitos podem contribuir para o controle final da epidemia de HIV", disse.
Mas ele advertiu que o HIV ainda tem "um caminho muito longo" até se tornar inofensivo e que "outros acontecimentos podem substituir isso, incluindo um acesso mais amplo ao tratamento e, eventualmente, o desenvolvimento de uma cura".

http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2014/12/hiv-esta-se-tornando-menos-mortal-e-infeccioso-diz-estudo.html