segunda-feira, 23 de abril de 2012

Fantástico - A descoberta da AIDS (1983)

ONGs denunciam desmonte do programa brasileiro de Aids

MANIFESTO
SOS: Governo Dilma coloca controle social da Aids em risco de extinção
Estamos vivendo uma situação sem precedentes de desmantelamento do controle social da resposta à epidemia de HIV-Aids no Brasil. O sucesso da política brasileira sempre esteve pautado num trabalho conjunto entre Estado e sociedade civil organizada, que não apenas cobrava ações efetivas das autoridades – como foco nos direitos humanos – mas também era protagonista no desenho e implementação das políticas. Que não se enganem os céticos em relação ao papel e importância desses grupos: certamente a crise das associações que trabalham com o HIV e mesmo os grupos de pessoas vivendo com o HIV é a crise da resposta brasileira à epidemia.
Recentemente, importantes organizações dedicadas ao tema do HIV-Aids fecharam suas portas depois de anos de serviço público relevante. A ameaça do fechamento também paira sobre outras organizações históricas que enfrentam crises severas de recursos, mas que não nomearemos aqui em respeito às próprias organizações, que devem decidir o momento e a forma de tornar pública suas situações. Algumas, tais como o Grupo SOMOS (Rio Grande do Sul), o  GAPA de Minas Gerais e o GAPA de São Paulo já comunicaram publicamente a suspensão de atividades.
Embora a atual crise não seja a primeira enfrentada por organizações desse tipo, certo é que essa é diferente, na medida em que é mais severa e mais invisível. Podemos dizer que parte da origem desta crise reflete um recuo financeiro da cooperação internacional que tem sido o modelo base do financiamento das ONGs neste campo no país. A origem deste recuo tem por base dois fatores fundamentais – a crise financeira internacional dos países desenvolvidos e a nova projeção do Brasil no cenário internacional, que coloca o país nopapel de doador de recursos e não mais receptor – causando uma falsa percepção de queos problemas internos estão resolvidos.
Vale dizer que esse recuo não afeta apenas as ONGs que atuam no campo do HIV-Aids, e sim boa parte das ONGs brasileiras que dependiam desse modelo de cooperação internacional para prestar um valioso papel na defesa do interesse público e na luta por políticas públicas que universalizem direitos e cidadania no país.
Apesar de terem sido fundamentais para a realização de eventos históricos como a Cúpula dos Povos durante a ECO 92 e o Fórum Social Mundial, além de terem conquistado o direito de participar de diversas negociações internacionais, entre outros feitos, as ONGs brasileiras estão cada vez mais reduzindo suas equipes e frentes de atuação por falta de recursos. Isso significa que as muitas contribuições e conquistas realizadas em anos de luta estão sendo retribuídas com silêncio e abandono, ao invés de um debate público que proponha alternativas reais para a sobrevivência dessas organizações.
Recentemente, dados evidenciam o aumento da ajuda internacional do governo brasileiro, incluindo ações humanitárias e contribuições ao sistema ONU, equivalentes a US$ 1,4 bilhão nos últimos cinco anos. Não obstante a importância das doações brasileiras a países e populações mais vulneráveis, é inaceitável que organizações locais fechem as portas e deixem de atender aos brasileiros e brasileiras e, sobretudo, estejam impedidas de monitorar, cobrar, construir em colaboração e fiscalizar a execução de políticas em saúde com recursos públicos. A quem interessa essa debilidade da sociedade civil organizada?
O aumento do PIB brasileiro, que passa até mesmo o do Reino Unido, como sinônimo de desenvolvimento é uma premissa simplista e conveniente. Excluem-se da equação a renda per cápita, as fortes desigualdades internas, as situações de extrema exclusão de parte da população e a manutenção de vulnerabilidades sociais – terreno fértil para a concentração da epidemia de AIDS em seu seio. O Brasil que brilha nos salões de Genebra e Nova Iorque certamente não é o mesmo com o qual lutamos todos os dias, com suas incoerências, injustiças e inadequações. Por isso ocupa o 81º lugar no índice de desenvolvimento humano.
Além da crise financeira, a outra face da moeda é a notória crise política. No campo do HIV-Aids podemos dizer que o diálogo da sociedade civil com o Estado vem se deteriorando e chega agora a um momento crítico. O agravamento teve seu ápice nos últimos meses, no que a imprensa tem chamado de “clima anti-ONGs”. Não recuperamos em nossa memória recente um período de tamanho distanciamento entre o Ministério da Saúde e a sociedade civil brasileira.
Concretamente podemos citar o recente episódio de censura da campanha de prevenção para o carnaval de 2012 – orientada a homossexuais – cujo veto partiu unilateralmente do Poder Executivo; a negociação e assinatura de contratos de transferência de tecnologia de medicamentos para HIV com empresas transnacionais farmacêuticas sem transparência e na contra-corrente da histórica posição brasileira de uso das flexibilidades de proteção da saúde pública da Lei e Patentes; os episódios seqüenciais de desabastecimentos de medicamentos antirretrovirais cujas causas não foram adequadamente esclarecidas e a perceptível (e inexplicável) ausência e clara exclusão de organizações da sociedade civil brasileira na Conferência Mundial de Determinantes Sociais de Saúde, organizada pelo Brasil em 2011.
Ademais do esgarçamento das relações da sociedade com o Ministério da Saúde, assistimos perplexos ao visível desmonte do Departamento de DST AIDS. Embora haja uma clara preocupação em desfazer essa impressão, notamos o desligamento do Departamento de um número expressivo de pessoas classicamente envolvidas na luta contra a AIDS no país. As causas são obscuras, e também merecem esclarecimento.
A invisibilidade da crise das ONGs anti-AIDS e a supressão de sua importância encontra lastro na suposta incorporação nas políticas públicas de todas as demandas da sociedade; no argumento de que as ONGs se desvirtuaram e servem hoje apenas de instrumento de desvio de dinheiro público e na aceitação pacífica da crença de que o Brasil está em pleno desenvolvimento. Nesse contexto, a participação da sociedade civil organizada não seria um elemento supérfluo, anacrônico?
Para responder a essa pergunta faz-se necessário recuperar um pouco dos ensinamentos de precursores da inteligência brasileira sobre HIV-Aids e Direitos Humanos. Há mais de vinte anos, a solidariedade foi o elemento que orientou a resposta brasileira à epidemia no país e ela não era apenas vista como um elemento de luta contra preconceitos e estigmas, mas também como um princípio fundamental para a mobilização. Como dizia o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a Aids não é um problema apenas de saúde, restrito àqueles que vivem com HIV e aos profissionais de saúde, mas sim um problema  social que deveria ser enfrentado por diferentes segmentos da sociedade e não somente com ações diretas de saúde, mas também com políticas sociais.
Àquela época, o Brasil se encontrava no processo de redemocratização. Na aprovação da Constituição Cidadã, o direito à saúde foi incorporado e definiu as bases para o sistema público de saúde regido pelos princípios da universalidade, equidade, integralidade e controle social. Tal contexto possibilitou sinergias na luta travada no campo do HIV contra o que Herbert Daniel, outro ícone da luta contra a Aids, chamava de ‘morte civil’.
Nos vinte anos da morte de Herbert Daniel, poderíamos dizer que emerge hoje um novo conceito de “morte civil”. Àquela época significava uma restrição de direitos civis durante a própria vida em função da infecção pelo HIV. Hoje, podemos considerar a ‘morte civil’ como este sufocamento do princípio basilar do SUS: o controle social.
Se antes a ‘morte civil’ acontecia em decorrência da Aids, hoje ela é causadora da Aids, pois sem controle social efetivo, menores são as possibilidades de garantia de direitos para os excluídos, justamente os mais vulneráveis à infecção e para os quais a Aids se torna cada vez mais uma conseqüência da própria condição de exclusão social.
Sabemos do papel histórico dos movimentos sociais na construção da cidadania no Brasil. A preservação dos princípios do SUS é uma luta constante e em permanente construção. A restrição de um de seus princípios, como o controle social, certamente afeta os demais e, por que não dizer, afeta todo o processo democrático.
Como dizia Betinho, não cabe às ONGs brasileiras acabar com ou pretender substituir o Estado, mas colaborar para a sua democratização. Muitas ONGs que trabalham com HIVAids têm feito isso com dedicação há pelo menos trinta anos e não é por outro motivo que o programa de Aids do Brasil é considerado um dos melhores do mundo.
Enquanto essas organizações ajudavam a construir as bases desse programa, eram chamadas de parceiras. Agora, quando tentam colaborar de forma ativa para seu bom funcionamento, são sumariamente ignoradas. Além disso, no momento em que o enfraquecimento dessas organizações é mais latente, o silêncio impera. No entanto, as ONGs-Aids ainda têm muito que dizer, fiscalizar, propor e defender. Nem que seja em mensagens coladas em portas fechadas. Não queremos sentir nostalgia dos dias em que o controle social existia de fato, queremos que as autoridades que agem com descaso frente ao desmantelamento desse princípio sintam vergonha proporcional à ofensa que isso representa à democracia brasileira e à todos que lutaram por ela.

http://www.viomundo.com.br/denuncias/ongs-denunciam-o-desmonte-do-programa-brasileiro-de-aids.html